Bruno Gonçalves
Maria Eugénia Duarte Silva
Rute Pires
A avaliação psicológica é um ato específico e exclusivo da competência dos psicólogos, que os distingue de outros profissionais das áreas da saúde e da educação. Embora legalmente o grau de Mestre em Psicologia qualifique os psicólogos para a prática da avaliação psicológica, a competência nesta área de intervenção exige formação contínua e prática supervisionada.
A avaliação psicológica tem objetivos, características e especificidades distintas consoante o contexto – de saúde mental ou física, educacional, forense, organizacional – em que é aplicada e consoante a população – crianças, adolescentes, adultos e adultos idosos – com que é realizada.
Em contexto clínico (de saúde mental), o único abordado neste artigo, o processo de avaliação psicológica inicia-se habitualmente com um pedido de entendimento de uma dificuldade específica que, na maioria das vezes, se faz sentir e é reconhecida por terceiros, há já algum tempo. Quando se trata de dificuldades manifestadas por crianças ou adolescentes em idade escolar, o pedido é habitualmente realizado pelos pais ou pela escola. No caso dos adultos, o pedido é geralmente feito pelo próprio adulto, pelos seus familiares ou pelo médico assistente.
Os objetivos do processo de avaliação psicológica são: 1) a compreensão da natureza do problema; 2) a identificação dos fatores individuais e/ou ambientais que contribuíram para o seu desenvolvimento, manutenção e que podem interferir na sua evolução; 3) a identificação de recursos adaptativos que podem mitigar os seus efeitos e funcionar como aliados de uma intervenção; 4) o planeamento dessa intervenção; e 5) a avaliação dos resultados da intervenção.
O processo de avaliação psicológica decorre, geralmente, ao longo de quatro a cinco sessões de avaliação e pode ser concetualizado como compreendendo três fases. Uma 1ª fase relativa à recolha de informação, a 2ª fase concernente à integração dessa informação e a 3ª fase de devolução das conclusões da avaliação psicológica e de encaminhamento para uma intervenção que responda às necessidades identificadas.
A 1ª fase do processo de avaliação psicológica envolve a construção da relação com o cliente e a criação das condições de confiança e empatia necessárias à sua colaboração no processo. Nesta fase inicial, o psicólogo deve informar o cliente sobre os objetivos e procedimentos da avaliação e sobre o princípio da confidencialidade a que está obrigado e suas limitações. Um importante facilitador da relação entre psicólogo e cliente é a entrevista clínica, técnica de recolha de informação com a qual se iniciam os processos de avaliação psicológica e que visa caracterizar, com detalhe e precisão, o motivo de avaliação e a história de vida do cliente, cujo conhecimento é indispensável para a compreensão do pedido. A entrevista clínica proporciona ainda ao psicólogo uma orientação relativa ao tipo de informação que é necessário recolher para compreender a natureza do problema e quais as fontes de informação que devem ser consultadas. Assim, esta fase do processo de avaliação psicológica envolve a obtenção de informação através de técnicas e instrumentos de avaliação, como sejam a já mencionada entrevista clínica, os testes psicológicos e a observação, que permitem obter diferentes tipos de informação, como por exemplo, o grau de sofrimento intrapsíquico, a qualidade dos relacionamentos interpessoais, as estratégias de confrontação com a ansiedade, a capacidade de regulação de emoções, o comportamento verbal e não-verbal, o funcionamento intelectual, as capacidades mnésicas, as capacidades atencionais, as competências visuo-motoras, etc… A informação necessária para a compreensão do problema deve ser recolhida a partir de várias fontes, ou seja, para além da entrevista com o próprio e com a família, é fundamental consultar fontes objetivas de informação como sejam os registos escolares, os registos de saúde, eventuais relatórios psicológicos, etc…
A aplicação de testes psicológicos é muitas vezes confundida com o processo de avaliação psicológica, contudo os testes psicológicos são apenas um dos métodos de recolha de informação à disposição dos psicólogos e não devem ser confundidos com o processo compreensivo e integrativo da avaliação psicológica. Ainda assim, pela sua relevância no processo de avaliação psicológica e pelo facto de a sua aplicação, cotação e interpretação ser da responsabilidade exclusiva do psicólogo, importa referir que os testes psicológicos são instrumentos estandardizados que medem dimensões do funcionamento humano (i.e., inteligência, memória, organização percetiva, personalidade, etc…) através de amostras de itens/estímulos representativas da área de comportamento que pretendem avaliar. Cabe ao psicólogo selecionar os testes psicológicos mais adequados para a clarificação da natureza do problema. Estes deverão ser válidos, corresponder às versões mais atualizadas e estar devidamente fundamentados do ponto de vista científico.
Na 2ª fase do processo de avaliação, o psicólogo analisa, interpreta e integra a informação recolhida na fase precedente, ou seja, baseando-se em evidências empíricas e estatísticas, em referenciais teóricos e concetuais e no julgamento clínico, faz inferências sobre as características psicológicas da pessoa que está a ser avaliada. Esta é uma fase de intenso trabalho de retaguarda que habitualmente se vai realizando à medida que a informação vai sendo recolhida ao longo das sessões de avaliação.
Por fim, a 3ª fase do processo de avaliação psicológica consiste na resposta à questão que motivou o pedido de avaliação e que é partilhada com o cliente na entrevista de devolução dos resultados, quer oralmente, quer através de um documento escrito, que obedece a uma estrutura definida, o relatório de avaliação psicológica.
Na entrevista de devolução dos resultados, o psicólogo preocupa-se em transmitir uma visão construtiva do cliente, possibilitando-lhe uma melhor compreensão das dificuldades e limitações que motivaram o pedido, mas também reconhecendo e valorizando os seus recursos psicológicos e capacidades adaptativas. Por vezes, há necessidade de formular um diagnóstico e este deve ser entendido não como a finalidade da avaliação psicológica, mas sim como um processo que: 1) facilita a comunicação entre o cliente e os vários interlocutores envolvidos (família, técnicos de saúde mental, médicos, professores, etc…); 2) permite ao cliente ganhar controlo sobre a sua sintomatologia; 3) orienta a intervenção; e 4) possibilita a investigação que contribui para o desenvolvimento do conhecimento sobre o problema.
As recomendações relativas ao tratamento são parte integrante e fundamental do processo de avaliação psicológica, especificamente da entrevista de devolução dos resultados e do relatório de avaliação psicológica. Devem incidir sobre o presente e o futuro a curto-prazo do cliente, ou seja, devem incluir informação sobre como lidar com os sintomas agudos, mas devem igualmente projetar-se no futuro a médio e longo-prazo, fazendo referência aos objetivos do tratamento, procedimentos para alcançar esses objetivos, possíveis obstáculos ao tratamento e prognóstico.
Em suma, o processo de avaliação psicológica, ao possibilitar a compreensão do funcionamento global do cliente e ao permitir o planeamento da intervenção futura, é, em si mesmo, o início da intervenção psicológica. A título de exemplo, e considerando, em particular, o contexto da avaliação psicológica de crianças e adolescentes em idade escolar, reconheça-se o papel da avaliação psicológica no desenvolvimento de uma relação de cooperação entre a família e a escola e o psicoterapeuta que assumirá a intervenção. As intervenções psicológicas são processos demorados e as relações entre o diagnóstico e o tratamento são complexas. Como seria possível contar com a colaboração dos pais e da escola sem lhes facultar informação factual sobre o funcionamento intelectual/cognitivo e da personalidade da criança ou do adolescente?
E para finalizar, uma palavra sobre o papel da avaliação psicológica na monitorização dos progressos do tratamento. Como objetivar as mudanças que ocorrem no tratamento psicoterapêutico? O recurso à avaliação psicológica, especificamente aos testes psicológicos, para avaliar as alterações decorrentes de uma intervenção psicológica é uma tendência cada vez mais atual, que acompanha a evolução nas práticas da saúde em geral e que credibiliza a prática psicológica.
Bruno Gonçalves
O que é depressão?
A depressão é uma perturbação mental muito frequente. Em Portugal, calcula-se que uma em cada cinco pessoas sofrerá pelo menos uma vez na vida de uma perturbação depressiva. Este risco é bastante maior para as mulheres e para as pessoas que enfrentam mais dificuldades socioeconómicas.
As perturbações depressivas podem ser mais ou menos graves. Algumas pessoas passam por um período de depressão apenas uma vez na vida, mas noutras os períodos de depressão repetem-se várias vezes. Noutras ainda, a depressão tem um aspeto crónico e pode durar anos.
A depressão caracteriza-se por um sentimento de vazio que tem alguma semelhança com a tristeza. A pessoa deprimida perde o gosto em fazer coisas que habitualmente lhe agradavam ou mesmo lhe davam muito prazer. Por exemplo: perde o gosto em receber os filhos lá em casa, perde o interesse em ver desafios de futebol (que antes a entusiasmavam) ou de ver telenovelas, etc. Sente que tudo lhe custa, que tudo é um esforço, como se tivesse perdido a energia. Mas não se trata de cansaço: quando estamos cansados, o descanso resolve o problema, quando estamos deprimidos, o descanso não resolve nada.
É muito frequente uma espécie de desfasamento com o ritmo normal da vida. Habitualmente levantamo-nos de manhã e sentimos que estamos a participar no acordar da cidade e do mundo à nossa volta. Apesar de todas as dificuldades que podemos ter de enfrentar, sentimos que um novo dia traz consigo uma nova esperança. A pessoa deprimida não sente nada disto. É com enorme esforço que faz a sua higiene matinal, é com enorme esforço que escolhe as roupas e se veste, etc.
É fácil fazer o diagnóstico da depressão?
Há estados depressivos ligeiros que diferem muito pouco do que podem ser períodos de abatimento mais ou menos “normais”. Talvez por isso, e porque hoje se fala bastante de depressão, tende a pensar-se que toda a gente sabe se está deprimido ou não, que toda a gente é capaz de fazer o seu próprio diagnóstico relativamente à depressão. Não é assim tão simples.
É verdade que ouvimos com alguma frequência pessoas que dizem que andam deprimidas e é muito possível que, pelo menos nalguns casos, o diagnóstico possa ser confirmado por um clínico. Mas, em muitos casos, tratar-se-á apenas de uma fase de desencorajamento, eventualmente relacionada com alguma situação de vida mais difícil. Passadas essas dificuldades, a pessoa volta ao seu estado de espírito habitual sem necessidade de tratamento.
Inversamente, é muito frequente que venham consultar o psicólogo (ou o médico) pessoas com queixas variadas mas sem nenhuma referência à ideia de que estão em baixo ou deprimidas. Pessoas que ficam surpreendidas quando o clínico lhes fala de depressão ou mesmo que têm dificuldade em aceitar esse diagnóstico.
Portanto, queixar-se de depressão não é o mesmo que estar deprimido. E, inversamente, pode-se estar deprimido sem ter consciência disso. O diagnóstico de depressão nem sempre é fácil e só pode ser feito pelo médico ou pelo psicólogo.
Vale a pena tratar a depressão? Qual é o tratamento adequado?
A depressão, nas suas várias formas, pode afetar profundamente a vida da pessoa. Quer o trabalho quer as relações com a família e os próximos podem ficar muito perturbadas. Por isso é importante tratar a depressão.
Há duas formas principais de tratar a depressão: pela psicoterapia e recorrendo a medicamentos adequados. Estas duas formas de tratamento podem perfeitamente combinar-se, quando isso se revela necessário. Nesses casos, parece ser mais eficaz recorrer às duas simultaneamente.
No entanto, nas formas menos graves de depressão, pode não se justificar o recurso a medicamentos.
Maria Eugénia Duarte Silva
Ouvimos com muita frequência que a Europa, o velho continente, é um continente muito envelhecido do ponto de vista da população que nele habita. Portugal não foge a essa característica, sendo mesmo o quarto país da União Europeia com maior percentagem de idosos. Esta constatação pode remeter-nos para a ideia que para além de todos estarmos a envelhecer, cada vez há mais pessoas que vivem a experiência da velhice e que ela se prolonga por vários anos, muito embora com uma aparência multifacetada e largamente heterogénea, a velhice se apresenta diferente daquela que concebemos quando recordamos os nossos avós e as pessoas que no passado eram consideradas velhas. Os indivíduos que hoje têm 65 ou um pouco mais anos, muitas vezes não se coadunam com a chamada e dita velhice, do ponto de vista da aparência física (gozam de boa saúde, apresentam poucas rugas, cabelos não embranquecidos, porte ereto, movimentação rápida), do ponto de vista dos interesses, que são semelhantes aos dos mais novos (projetos, envolvimento nas comunidades, desejo de aprender e de ter novas experiências) e do tempo livre disponível (consultam agendas carregadas antes de marcar qualquer compromisso, e correm com satisfação de um lado para o outro em vidas muito preenchidas).
Ouvimos que a Organização Mundial de Saúde preconiza para todos um envelhecimento ativo - processo ao longo da vida que otimiza o bem-estar físico, social e mental com o objetivo de prolongar as expectativas de saúde, participação e segurança e com isso a qualidade de vida, enquanto se envelhece - e que cada vez há mais cidadãos que a ele podem corresponder, particularmente os mais saudáveis, os mais instruídos, os que usufruem de melhores condições de vida e que estão mais bem inseridos na sociedade, e fundamentalmente aqueles que melhor gerem o seu processo de envelhecimento.
Este cenário parece otimista e prometedor e faz com que o processo de envelhecimento, na velhice, ganhe outras imagens, e permita esquecer e negar outros contornos menos animadores que os meios de comunicação social, às vezes, divulgam, e que o azar das nossas vidas traz ao nosso conhecimento ou ao nosso encontro. Envelheceríamos paulatinamente, seríamos, por muito tempo, os sempre jovens ou os sem idade, e apenas muito perto do final da vida surgiria a doença de evolução rápida, em que o sofrimento físico podia ser mitigado ou quase anulado, antecedendo a morte.
Esta onda de otimismo tem a sua razão de ser mas não invalida a ocorrência de outras vivências, o processo de envelhecimento é antes de tudo uma experiência largamente heterogénea e por isso diferente de pessoa para pessoa, cada um envelhece à sua maneira e de acordo com a sua própria história de vida, por vezes sentido e por isso vivido como descontínuo, em função de vicissitudes e acontecimentos de vida que envolvem os que nos são próximos, inesperados, que exigem reformulações de percurso e de relacionamentos, escolhas e necessariamente perdas, momentos de transição, correspondentes a sentir que se vive na terra de ninguém, e finalmente adaptações em que as energias e a capacidade de resiliência é posta à prova.
O homem é um ser social e foi no contexto da inter-relação significativa com quem o cuidou que se desenvolveu e construiu recursos primários para lidar com dificuldades inerentes à vida. Em qualquer época da sua vida e perante dificuldades de vária índole são os seus recursos internos mas também os externos, nos apoios afetivos e instrumentais que encontra nas inter-relações, que fortifica a resiliência para confrontar e lidar com as vicissitudes.
No processo de envelhecimento, que vai de par com o próprio desenvolvimento, surgirão necessariamente encontros e desencontros, alguns que podem ser antecipados e daí mais facilmente correspondidos, outros nem tanto, em que experiência de ser escutado e compreendido, o olhar empático do outro, a ajuda a encontrar a nossa solução, que não é a do outro mas a nossa própria, ponderada num diálogo connosco próprios muito embora mediado por um interlocutor, pode fazer a diferença da sequente resposta adaptativa que gera tranquilidade, sentido de controlo e bem-estar e a resposta predominantemente ansiosa e/ou depressiva que facilita mais sofrimento.